Autazes já vive a corrida do potássio

 

Lojas de departamento, cafés, restaurantes e setores de transportes fazem investimento. A cidade também debate os os problemas sociais que podem vir com a mina



Corre entre comerciantes de Autazes (AM), região metropolitana de Manaus, a informação que um grande empresário paraense comprou um terreno na área urbana para construir um hipermercado.

Não há confirmação oficial desse provável investimento. Mas, é possível imaginar que ele resume a onda de euforia por mudanças econômico-sociais provenientes da expedição, pelo governo amazonense, da primeira licença de instalação para a exploração da mina de sais de potássio em terras do município.

O minério é insumo na fabricação de fertilizante, produto cobiçado pelo agronegócio mundial.

“Ouvi falar, por meio de pessoas do nosso meio que Autazes ganhará, em breve, um hipermercado”, disse o empresário João Gamboa, dono do Mercantil Siqueira, um dos mais bem sortidos da cidade.

Gamboa prefere não adiantar novos passos na sua área de atuação, porém, está atento ao novo momento: toca pequenas reformas na loja atual, para arejar o ambiente e melhorar o atendimento.



MEMÓRIA

O empresário disse que espera por informações mais seguras para expandir os negócios. No entanto, ele lembra que poucos acreditavam no Luz para Todos, projeto dos dois primeiros anos do governo Lula.

“Nunca imaginavam que a luz elétrica chegaria a lugares tão distantes, mas está aí…”, comentou o empresário.

LOJAS

Há outros sinais de que o potássio, cuja infraestrutura para exploração da mina está em andamento, já incentivou negócios à espera de novos consumidores de produtos domésticos e serviços.

“A TVlar, Bemol e a Magazine do Povo não se instalariam aqui sem a esperança de ampliação do mercado varejista”. Foi o que disse um servidor púbico que exigiu sigilo sobre o seu nome.

Essas lojas têm matrizes em Manaus e concorrem com a Clara Eletro, empresa local fundada em 2007.


CAFÉ

O mesmo raciocínio vale para a inauguração, há dois meses, da cafeteria Autopan. A marca é uma novidade para o mercado local. A loja tem salão com ar-condicionado e cardápio com dezenas de itens.

Atualmente, a Autopan é o point da cidade nas manhãs e finais de tarde.



Seus proprietários confirmam que a exploração do potássio influiu na decisão de abertura da cafeteria, mas pediram para ficar no anonimado e não se estender no assunto. “Estamos de olho no futuro próximo, porém cautelosos”, disse um dos sócios.

RESTAURANTE

Quem, também, está otimista com a exploração da mina é a microempresária Élida Ambrósio, do ramo da alimentação.

Daqui a cinco meses ela pretende atender sua clientela em espaço mais amplo. O atual, o Sabor Caipira, que funciona anexo à sua residência, já está pequeno até para a clientela atual.

O novo restaurante contará com área coberta para atendimento presencial e área para estacionamento.

“Estamos nos qualificando para as demandas que virão com a exploração da mina de potássio e das ações da prefeitura e do estado para a melhoria da cidade. Prefiro atender aos contratos. É mais seguro”, explicou Élida.

CHURRASCARIA

Quem quer, também, voar mais alto nos negócios são as microempresárias Elanielem e Neuliane de Souza Rodrigues, irmãs, e sua mãe, Neuzimar, sócias da Churrascaria Duas Irmãs, uma das mais frequentadas da cidade.

Elas vendem churrasquinhos de carnes de boi e aves, com acompanhamento a gosto dos clientes. O atendimento presencial é alto, mas a cada dia as entregas ganham força.

“Queremos crescer. Só precisamos de oportunidade. Se ela vier com a mina de potássio vamos agarrá-la”, assegura dona Neuzimar.

TRANSPORTE DE CARGAS E PASSAGEIROS

Localizada entre o rio Madeira e rio Madeirinha, Autazes necessita de serviços de transportes para se articular com as cidades do Madeira (Nova Olinda do Norte, Borba e Humaitá), com o médio rio Amazonas, a partir de Itacoatiara; com a BR-319 (Manaus-Porto Velho (RO), e com Manaus, na boca do rio Negro.


A expectativa dos pequenos transportadores é a de que “haverá um aumento considerável na movimentação de cargas e de pessoas durante a implantação e exploração da mina”. Assim espera o presidente do Sindicato de Taxistas de Fretes de Autazes, Rodrigo Queiroz de Oliveira.

O assunto está na pauta das reuniões da categoria, que não quer ser surpreendida pela falta de providências antecipadas. “Essas grandes empresas e suas terceiradas só contratam quem está efetivamente regularizado. Não há espaço para improvisação”, sustenta Rodrigo.



RENOVAÇÃO DE FROTA DE TÁXIS

Na pauta de discussão do sindicato está a reivindicação de apoio à prefeitura e ao estado, para a renovação da frota de táxi-fretes da cidade. “Financiamento subsidiado já é uma grande ajuda”, aponta Rodrigo.

O frete-taxista Edneudo Sá Rodrigues, por exemplo, quer trocar o seu carro. Hoje, ele tem uma pick-up Estrada 2000. Mas planeja ter um caminhão de pequeno ou médio porte. “Sem apoio, a gente fica fora dos benefícios da mina”, afirma.

O secretário da Associação dos Taxistas Matriz de Autazes (Atama), Luiz Fernando, entende que “as obras da mina e da infraestrutura da cidade devem buscar, primeiramente, trabalhadores e empresas daqui”,

Os taxistas de Autazes atendem a sede e a zona rural interligadas por estradas vicinais.

PORTO DE AUTAZES

O trajeto com mais rentabilidade é o do porto de Autazes ao porto do Rosarinho, um atalho rodofluvial que interliga cidades dos rios Madeira, Madeirinha, Solimões e Negro.

Os carros de passeio, ônibus e caminhões são atravessados em balsas tipo ferry boat. O deslocamento mais rápido de passageiros entre os quatro rios é feito através de lancha, táxi-lotação, ônibus e mototáxi.

No meio desse caminho ainda estão os municípios de Careiro Castanho e Careiro da Várzea.

ATALHO FLUVIAL

O atalho Autazes-Manaus permite uma economia de até oito horas se comparada ao tempo de viagem pelos motores de linha através do rio Madeira e Amazonas.

Para se ter uma ideia dessa vantagem, um morador Nova Olinda do Norte, na margem direita do Madeira, pode vir a Manaus e retornar no mesmo dia. A viagem ainda se torna mais curta se a estrada estiver sem trechos esburacados, como ocorre atualmente.

Para Luiz Fernando, os taxistas precisam se organizar para atender o aumento da clientela. Da mesma forma, diz, a prefeitura precisa agir para recuperar e conservar as ruas da cidade e as vicinais da zona rural.

“A expectativa de melhores dias é grande, mas tudo depende de como os gestores públicos irão conduzir ações para melhorar a qualidade de vida dos moradores de Autazes”, opinou o taxista.
A rota Autazes-Itacoatiara só oferece – de modo regular – a opção fluvial e as lanchas realizam as viagens mais rápidas.

NOVELA E VIDA REAL

“Estamos há muito tempo esperando o fim dessa novela, para vir a vida real”, reclama Joílson Colares, fiscal de lanchas no terminal flutuante da cidade. Os donos das lanchas de passageiros se organizaram em cooperativas e associações.

O fiscal diz que o desejo da categoria é que a exploração da mina saia do papel e gere desenvolvimento para o município. Quanto ao serviço das lanchas, Colares assegura que se adequará ao movimento de passageiros.

Oscar Ribeiro está há dez anos no ramo do transporte por lanchas. Hoje ele é dono de uma embarcação com capacidade para trinta pessoas e faz duas viagens por semana entre Autazes e Itacoatiara.

“Assim que for necessário, vamos aumentar a nossa capacidade de atendimento aos passageiros de Autazes e portos adjacentes”, assegurou Ribeiro.

MOTOTÁXIS

Outra categoria do ramo de transporte que espera a circulação de dinheiro com a exploração da mina de potássio é a dos mototaxistas.

Em Autazes, são mais de 300 trabalhadores organizados em seis associações.



“Agora vai!”, exclama Fredson Dias dos Anjos, referindo-se ao longo tempo de espera pelo projeto de potássio de Autazes.

Ele e seus colegas Fredson Dias dos Anjos e Orlando Nóbrega Guimarães acreditam na implantação do projeto, mas acham que as obras de melhoria das ruas e vicinais já deveriam ao menos ter começado.

“O que esperamos é que essa mina favoreça a cidade”, comenta Fredson.

“A gente só precisa de ruas e vicinais bem pavimentadas e sinalizadas, para nossa segurança e dos passageiros”, disse Guimarães.

Violação de direitos

É preocupação recorrente dos entrevistados os problemas sociais que virão com atividades da mina, caso não haja medidas preventivas de combate à pobreza.

A estimativa da prefeitura é que a cidade atrairá ao menos 30% a mais de moradores, que hoje são mais 40 mil.

O taxista Luiz Fernando, paulista, há dez anos em Autazes, adverte que não são poucos os casos em que grandes empreendimentos acabam gerando mais pobreza onde se instalam.

“Esse problema acontece com o município de Coari, cujo pagamento de royalties do gás natural pago à prefeitura, pela Petrobrás, não favorece a maior parte da população”, apontou.

Coari ocupa a quinta pior posição no Indice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os municípios amazonenses.

“O despreparo para receber investimentos de grande porte acaba incentivando, entre outros males sociais, a prostituição de crianças e adolescente”, adverte.

DEBATES

O coordenador do Conselho Tutelar de Autazes, Waldezon Lima Pereira, acentua que a construção e exploração da mina de potássio, pela Potássio do Brasil, exige medidas preventivas à violação dos direitos de crianças e adolescente, entre os quais os relativos à prostituição e exploração sexual.

Ele revela que o Conselho atua de modo pontual na vila de Urucurituba e comunidade Lago do Soares. Esses locais são áreas de abrangência da reserva de sais de potássio.

Desde 2010, quando a jazida foi descoberta, a Potássio do Brasil mantém atividades na área por meio de empresas terceirizadas.

DENÚNCIAS

O conselheiro revelou que já houve denúncias de violação do Estatuto da Criança e do Adolescente nas duas localidades. Diante disso, o Conselho agiu, conjuntamente, com os seus parceiros da área social, policial e jurídica.

“Atuamos, principalmente, na orientação das crianças e adolescentes e seus pais a respeito de como se protegerem da violência aos direitos que lhes são garantidos por lei”, explicou.

Para o conselheiro, o novo momento vai exigir mais sintonia da rede de proteção das pessoas mais vulneráveis à miséria e à pobreza, situações que facilitam os casos de exploração sexual e prostituição.

Uma das providências necessárias e urgentes, aponta Pereira, será a abertura de novas escolas na zona urbana e rural do município. Afinal, mais de 12 mil pessoas migrarão para Autazes nos próximos anos.
Isso é preocupante, ainda segundo Pereira, porque há 25 anos não se constrói um prédio escolar no município.

ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO

O prefeito de Autazes, Andreson Cavalcante,  expediu no dia 22 de abril o alvará de construção da mina de potássio de Urucurituba à Potássio do Brasil, para que ela possa avançar na implantação do empreendimento.

Antes, no dia 9, o governo havia entregado a primeira licença de instalação à Potássio do Brasil para o início da construção do projeto do potássio de Autazes.

Cavalcante assegurou que a Prefeitura de Autazes acompanhará a execução dos projetos sociais e ambientais compactuados pela Potássio do Brasil com o município.

Também vai realizar um levantamento das necessidades de infraestrutura [do município] para apresentar ao governo do Amazonas, ao governo federal e à Potássio do Brasil.

O objetivo dessa medida é preparar o município “para este enfrentamento”.

Oferta de empregos

Na fase de operação, a mina irá oferecer 1,5 mil empregos diretos e mais 16 mil indiretos.
A Potássio do Brasil prevê um investimento de US$ 2,5 bilhões na construção e exploração da mina, que se somarão a R$ 1 bilhão já aplicado desde 2010 com a descoberta da reserva de potássio de Autazes.

POVO MURA

A reserva de potássio de Autazes está localizada em terras do povo mura, cujo reconhecimento jurídico lhe é negado há mais de 20 anos.

O licenciamento da exploração da mina se arrasta desde 2010, quando foi descoberta, por se confrontar com a ocupação milenar dessas terras pelo povo mura.

Entre idas e vindas, do litígio patrocinado pela União, estado e empresários contra os direitos dos indígenas, as partes podem estar perto de resolver a demanda judicial, porque a grande maioria das aldeias já fez acordo favorável à Potássio do Brasil.

A liderança indígena Naldo Mura informou que fez consulta aos caciques que são contra o encerramento do litígio sobre um posicionamento à questão solicitado pela matéria, mas foi aconselhado a se manter calado.

“Então, é assim: eu passei essa situação para o nosso povo, para as lideranças que conosco estão na linha de frente, na lutam alguns já anciãos […] as lideranças reunidas disseram que não vamos nos pronunciar no momento”, comunicou Naldo Mura.

Ele esclareceu, todavia, que os indígenas não são contra o projeto; são contra, sim, ao modo como a Potássio do Brasil pretende implantá-lo, sem cumprir com os direitos dos povos indígenas.

Por outro lado, ainda há processos do litígio a serem julgados.

Fotos: Rosário Reis/especial para o BNC Amazonas

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